26 fevereiro 2016

Eternal Flame

Ainda faltavam vinte e poucos minutos para Javier entrar para sua sessão de análise. Não era nada muito grave, um pouco histérico, um traço de TOC, mas nada que comprometesse a vida, salvo por ser dado a mergulhos profundos em águas agitadas... Assim como ao amor. 

Já era a sexta ou sétima vez seguida que Javier ouvia Eternal Flame em menos de meia hora. Desta ele não se cansava, ao contrário, alimentava-se da lembrança daquele amor puro, ardente e inocente. O nome Roberta nunca saíra de sua mente. 

"Close your eyes, give me
your hand, darling
Do you feel my heart
beating?
Do you understand?
Do you feel the same?
Am I only dreaming?
Is this burning an
eternal flame?"


Era como se o Amor tivesse sua viçosidade restaurada dentro dele. As carapaças de tantos desencontros, como que por milagre das relações, começavam a  sumir, cedendo o espaço que, de fato e por direito, pertencem às emoções que foram sacramentadas embaixo  de uma escada escura (primeiro leito nas horas de um verão que não acabará).

Quantos anos já haviam passado? Quantas cartas sentimentais foram enviadas? Quantas juras de amor? Sim, Javier é um romântico irreparável. Naquele dia, que fora o primeiro melhor-dia-de-sua-vida, nada no universo (nem o próprio Deus) poderia dissuadi-lo que que Roberta (branca, estatura mediana, longos quatro anos mais velha - mas nem tão experiente, e cheia pintas na face e no colo), seria seu primeiro grande amor.

A ingenuidade das mentes e dos corpos era algo lindo; lindo como a canção que ele escolhera para representar o seu amor mais profundo. Na verdade ele não escolheu, a música tocou em sincronia com o primeiro trocar de olhos, na beira da piscina após uma aula de hidroginástica. Javier é um obsessivo com detalhes? Não. Javier amou. Javier amou como se nunca fosse completar dezesseis anos. Estava feito o primeiro risco de Javier. Uma tatuagem metamusical. 

Aproximava-se o momento mais difícil de sua vida até então: falar com ela. Não se arriscou. Ficou flertando de dentro da piscina com a mulher-do-encanto sentada na borda. Ela saiu. Javier pressentira que suas intenções poderiam naufragar se não voltasse a vê-la. 

Junto com o cair do sol ele fora para o seu chalé trocar-se para ir ao restaurante. Não parava de falar com Pedro, seu primo, daquela menina linda da tarde. Enchera o saco de todos no chalé. Perguntava se alguém também tinha presenciado aquela epifania na piscina. 

"Wise men sayOnly fools rush inBut I can't helpFalling in love with you"

Atrasou-se, como habitual, para se vestir e descer - ficou para trás. Não estava muito preocupado com isso. Não havia lugar vazio em todo seu corpo para outro pensamento. No caminho, à meia luz, que leva ao restaurante ele observa que alguém vem atrás dele. Vira-se e vê um trio conversando. Logo o trio vira uma: shorts branco e camiseta amarela, cabelos molhados, sandálias havaianas - era ela. Não foi mais uma troca de olhares, mas um mirar demorado que constrangera os demais, deixando-os sozinhos entre a possibilidade de um beijo e seguir o caminho de todos. Javier e Roberta souberam fazer suas almas se encontrarem num beijo, precedido apenas pelas palavras gritadas pelas retinas vidradas. 

Depois de décadas sua espinha ainda sente o frio congelante das verdadeiras emoções; os pelos eriçam só de ouvir a introdução da música deles, ou seria só dele agora?

Quanto de amor cabe num final de semana? Quanta entrega cabe nas linhas de uma carta? Ele ainda sabe o endereço dela de cor. Javier não se perguntava essas coisas de forma direta, mas seu coração adulto, naqueles dias de intensa nostalgia, estava confuso com tantos cálculos. Amar tanto em tão pouco tempo; descobrir tudo nos versos de uma música gringa que ele mal entendia; passear numa ilha de sentimentos por amadurecer chamada Javier e Roberta.

Javier descobriu, depois que as cartas cessaram, que Roberta virou uma espécie de amor platônico. E eles, inconscientemente, deixavam isto posto. 

Eles casaram e tiveram outras vidas. Surgiram outras musicas e outros amores... Mas Javier não pode evitar sentir tudo isso, de novo e de novo e de novo, cada vez que se lembra, ou que a vida o lembra de como é maravilhoso ser de alguém por vontade e desejo, dele e do Universo. 

"There's a place for us
Somewhere a place for us
Peace and quiet and open air
Wait for us
Somewhere"

* The Bangles 
** Leonard Bernstein / Stephen Sondheim
*** Hugo Peretti / Luigi Creatore / George David Weiss

Um comentário:

Unknown disse...

Não sei se gosto mais das poesias ou dos contos! Lindo!!!

Mais do Mesmo Alívio!!!